Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antigüidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas a noção de Renascimento como hoje o entendemos surgiu a partir da publicação do livro de Jacob Burckhardt A cultura do Renascimento na Itália (1867), onde ele definia o período como uma época de "descoberta do mundo e do homem".[3]
O Renascimento cultural manifestou-se primeiro na região italiana da Toscana, tendo como principais centros as cidades de Florença e Siena, de onde se difundiu para o resto da península Itálica e depois para praticamente todos os países da Europa Ocidental, impulsionado pelo desenvolvimento da imprensa por Johannes Gutenberg.
A Itália permaneceu sempre como o local onde o movimento apresentou
maior expressão, porém manifestações renascentistas de grande
importância também ocorreram na Inglaterra, Alemanha, Países Baixos e, menos intensamente, em Portugal e Espanha,
e em suas colônias americanas. Alguns críticos, porém, consideram, por
várias razões, que o termo "Renascimento" deve ficar circunscrito à
cultura italiana desse período, e que a difusão européia dos ideais
clássicos italianos pertence com mais propriedade à esfera do Maneirismo.
Além disso, estudos realizados nas últimas décadas têm revisado uma
quantidade de opiniões historicamente consagradas a respeito deste
período, considerando-as insubstanciais ou estereotipadas, e vendo o
Renascimento como uma fase muito mais complexa, contraditória e
imprevisível do que se supôs ao longo de gerações.[4]
Ideias Principais:
O Humanismo pode ser apontado como o principal valor cultivado no Renascimento. Baseia-se em diversos conceitos associados: Neoplatonismo, Antropocentrismo, Hedonismo, Racionalismo, Otimismo e Individualismo. O Humanismo, antes que um corpo filosófico, é um método de aprendizado que faz uso da razão individual e da evidência empírica para chegar às suas conclusões, paralelamente à consulta aos textos originais, ao contrário da escolástica medieval, que se limitava ao debate das diferenças entre os autores e comentaristas. O Humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o investigador por excelência da natureza. Na perspectiva do Renascimento, isso envolveu a revalorização da cultura clássica antiga e sua filosofia, com uma compreensão fortemente antropocentrista e racionalista do mundo, tendo o homem e seu raciocínio lógico e sua ciência como árbitros da vida manifesta.[5] Seu precursor foi Petrarca, e o conceito se consolidou no século XV principalmente através dos escritos de Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, Pico della Mirandola e Thomas More.
O brilhante florescimento cultural e científico renascentista deu
origem a sentimentos de otimismo, abrindo positivamente o homem para o
novo e incentivando seu espírito de pesquisa. O desenvolvimento de uma
nova atitude perante a vida deixava para trás a espiritualidade
excessiva do gótico
e via o mundo material com suas belezas naturais e culturais como um
local a ser desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas
possibilidades latentes do homem. Além disso, os experimentos democráticos
italianos, o crescente prestígio do artista como um erudito e não como
um simples artesão, e um novo conceito de educação que valorizava os
talentos individuais de cada um e buscava desenvolver o homem num ser
completo e integrado, com a plena expressão de suas faculdades
espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de liberdade
social e individual.[6]
Reunindo esse corpus eclético de idéias, os homens do
Renascimento cunharam ou adaptaram à sua moda alguns outros conceitos,
dos quais se destacam as teorias da perfectibilidade e do progresso,
que na prática impulsionaram positivamente a ciência de modo a tornar o
período em foco como o marco inicial da ciência moderna. Mas como que
para contrapô-los surgiu uma percepção de que a história é cíclica e tem
fases de declínio inevitável, e de que o homem natural é um ser sujeito
a forças além de seu poder e não tem domínio completo sobre seus
pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a duração de sua própria
vida.Pico_della_mirandola.
Retrato de Erasmo, 1523, por Hans Holbein, o Jovem (Frick Collection).
Fases do Renascimento e seu contexto:
Trecento:
O Trecento representa a preparação para o Renascimento e é um fenômeno basicamente italiano, mais especificamente da cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da região, embora outros centros também tenham participado do processo, como Pisa e Siena, tornando-os a vanguarda da Europa em termos de economia, cultura e organização social, conduzindo a transfomação do modelo medieval para o moderno.
A economia era dinamizada pela fundação de grandes casas bancárias, pelo surgimento da noção de livre concorrência e pela forte ênfase no comércio, e cada vez mais se estruturava em moldes capitalistas e bastante materialistas, onde a tradição era sacrificada diante do racionalismo, da especulação financeira e do utilitarismo. O sistema de produção desenvolvia novos métodos, com uma nova divisão de trabalho organizada pelas guildas e uma progressiva mecanização, mas levando a uma despersonalização da atividade artesanal. A Itália nesta época era um mosaico de pequenos países e cidades independentes. O regime republicano com base no racionalismo fora adotado por vários daqueles Estados, e a sociedade via crescer uma classe média emancipada intelectual e financeiramente que se tornaria um dos principais pilares do poder e um dos sustentáculos de um novo mercado de arte e cultura.[9]
O início do século viveu intensas lutas de classes, com prejuízo para os trabalhadores não vinculados às guildas, e como conseqüência instalou-se grave crise econômica, que teve um ponto culminante na bancarrota das famílias Bardi e Peruzzi em torno de 1328-38, gerando uma fase de estagnação que não obstante levaria a pequena burguesia pela primeira vez ao poder. Esta situação foi comentada depreciativamente pelos poetas célebres da época - Boccaccio e Villani - mas constituiu a primeira experiência democrática em Florença, durando cerca de quarenta anos. Tumultos políticos e militares, além de duas devastadoras epidemias de peste bubônica, provocaram períodos de fome e desalento, com revoltas populares que tentaram modificar o equilíbrio político e social, mas só conseguiram assegurar a permanência dos burgueses à testa do governo. Os Médici, banqueiros plebeus, assumiram a liderança da classe mas logo se revestiram da dignidade da nobreza, e um sistema oligárquico voltou a dominar a cena política, muitas vezes se valendo da corrupção para atingir seus fins, mas também iniciando um costume de mecenato das artes que seria fundamental para a evolução do classicismo no século seguinte.[10][11]
Na religião a mudança foi assinalada pela busca, amparada pela ciência, de explicações racionais para os fenômenos da natureza; por uma nova forma de ver as relações entre Deus e o homem, e pela idéia de que o mundo não deveria ser renegado, mas vivenciado plenamente, e que a salvação poderia ser conquistada também através do serviço público e do embelezamento das cidades e igrejas com obras de arte, além da prática de outras ações virtuosas. Deve-se frisar que mesmo com a crescente influência clássica, que era toda pagã na origem, o Cristianismo jamais foi posto em xeque e permaneceu como um pano de fundo ao longo de todo o período, criando-se a síntese original que conhecemos hoje.[12]
Ambrogio Lorenzetti: Alegoria do Bom Governo, c. 1328. Palazzo Pubblico, Siena.
Simone Martini: Guidoriccio da Fogliano no assédio de Montemassi, 1328. Palazzo Pubblico, Siena.
Quattrocento:
O chamado Quattrocento (século XV) viu o Renascimento atingir sua era dourada. O Humanismo amadurecia e se espalhava pela Europa através de Ficino, Rodolphus Agricola, Erasmo, Mirandola e Thomas More. Leonardo Bruni inaugurava a historiografia moderna e a ciência e a filosofia progrediam com Luca Pacioli, János Vitéz, Nicolas Chuquet, Regiomontanus, Nicolau de Cusa e Georg von Peuerbach, entre muitos outros.
Ao mesmo tempo, um novo interesse pela história antiga levou humanistas como Niccolò de' Niccoli e Poggio Bracciolini a vasculharem as bibliotecas da Europa em busca de livros perdidos de autores como Platão, Cícero, Plínio, o Velho, e Vitrúvio. O mesmo interesse fez com que se fundassem grandes bibliotecas na Itália, e se procurasse restaurar o latim, que havia se transformado em um dialeto multiforme, para sua pureza clássica, tornando-o a nova língua franca
da Europa. A restauração do latim derivou da necessidade prática de se
gerir intelectualmente essa nova biblioteca renascentista.
Paralelamente, teve o efeito de revolucionar a pedagogia, além de fornecer um substancial corpus
de estruturas sintáticas e vocabulário para uso dos humanistas e dos
homens de letras, que assim revestiam seus próprios escritos com a
autoridade dos antigos.[13] Também foi importante a febre de colecionismo
de arte antiga que se verificou entre os poderosos, que acompanhavam de
perto escavações a fim de enriquecer seus acervos privados com obras de
escultura e outras relíquias que vinham à luz, impulsionando o
desenvolvimento da arqueologia.[14] A reconquista da Península Ibérica aos mouros também disponibilizou para os eruditos europeus um grande acervo de textos de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu e Plotino, preservados em traduções árabes e desconhecidos na Europa, e de obras muçulmanas de Avicena, Geber e Averróis,
contribuindo de modo marcante para um novo florescimento na filosofia,
matemática, medicina e outras especialidades científicas. Para
acrescentar, o aperfeiçoamento da imprensa por Johannes Gutenberg em meados do século facilitou e barateou imenso a divulgação do conhecimento para um público maior.
Jorge de Trebizonda: página do seu Comentário sobre o Almagesto.
Alta Renascença
A Alta Renascença cronologicamente engloba os anos finais do Quattrocento e as primeiras décadas do Cinquecento, sendo delimitada aproximadamente pelas obras de maturidade de Leonardo da Vinci (a partir de c. 1480) e o Saque de Roma em 1527. Foi a fase de culminação do Renascimento, que se dissipou mal foi atingida, mas seu reconhecimento é importante porque ali se cristalizaram ideais que caracterizam todo o movimento renascentista: o Humanismo, a noção de autonomia da arte, a emancipação do artista de sua condição de artesão e equiparação ao cientista e ao erudito, a busca pela fidelidade à natureza, e o conceito de gênio, tão perfeitamente encarnado em Da Vinci, Rafael e Michelangelo. Se a passagem da Idade Média para a Idade Moderna não estava ainda completa, pelo menos estava assegurada sem retorno possível.[14][19] Eventos como a descoberta da América e a Reforma Protestante, e técnicas como a imprensa de tipos móveis, transformaram a cultura e a visão de mundo dos europeus, ao mesmo tempo em que a atenção de toda a Europa se voltava para a Itália e seus progressos, com as grandes potências da França, Espanha e Alemanha desejando sua partilha e fazendo dela um campo de batalhas e pilhagens. Com as invasões que se seguiram a arte italiana espalhou sua influência por uma vasta região do continente.Foi na Alta Renascença que a arte atingiu a perfeição e o equilíbrio classicistas perseguidos durante todo o processo anterior, especialmente no que diz respeito à pintura e à escultura. Pela primeira vez a Antiguidade era compreendida como um todo unificado e não como uma sequência de eventos isolados, levando a arte a descartar a simples imitação decorativa do antigo e troca de uma emulação mais completa, mais essencial e também muito mais erudita.[14] Porém esse classicismo, embora maduro e rico, conseguindo plasmar obras de grande pujança, comparáveis à arte antiga, tinha forte carga formalista, espelhando o código de ética artificial, cosmopolita e abstrato que se impunha entre os círculos ilustrados e que prescrevia a moderação, autocontrole, dignidade e polidez em tudo, e que teve na pintura de Rafael e na música de Palestrina seus mais perfeitos representantes artísticos, e no livro O Cortesão de Baldassare Castiglione sua súmula teórica. O idealismo que foi intensamente cultivado na antigüidade clássica encontrava uma atualização e, segundo Hauser,-
- "De acordo com os pressupostos desta arte, pareceria inconcebível, por exemplo, que os apóstolos fossem representados como camponeses vulgares e artesãos comuns, como o eram tão freqüentemente e com tanto sabor, no século XV. Para esta arte nova, os profetas, apóstolos, mártires e santos são personalidades ideais, livres, grandes, poderosas e dignificadas, graves e solenes, uma raça heróica, no pleno florescimento de uma beleza madura e enternecedora. Na obra de Leonardo encontramos ainda tipos da vida comum, ao lado destas nobres figuras, mas gradualmente nada que não seja grande e sublime parece digno de representação artística".
- Giovanni Bellini: Sacra conversazione, 1505-1510. Chiesa di San Zaccaria, Veneza.
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